segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Rio São Francisco no bioma Caatinga e o Código Florestal


"

"A presença da biodiversidade natural foi um fator explorado no estudo e constatou-se que os homens 'rurais a enxergavam e lhe davam importância, o que é coerente com o resultado do estudo da dinâmica de uso da terra ao longo dos anos, mas não é coerente com os manejos que foram utilizados."


 A aprovação do novo do código florestal levantou várias discussões sobre uso e ocupação do solo em áreas agrícolas. A academia, ao debruçar-se sobre o tema, mostra números baseados em estudos científicos, mas suas análises ainda não conseguiram ter repercussão suficiente para convencer a sociedade e a classe política a agir sobre áreas de terra sensíveis ao uso. Um dos temas fundamentais que vem sendo questionado é sobre a quantidade de terra a ser perdida ou ganha pela agricultura se o atual ou o antigo código fossem aplicados na íntegra. Há uma corrente que defende a utilização de terras em áreas de preservação permanente que já vêm sendo cultivadas ao longo dos anos e outras que defendem a conservação dessas terras por meio da preservação das florestas nativas.

A questão relevante, em muitos casos, é a de entender a dinâmica de uso da terra nos diferentes biomas. Sem a compreensão clara de como o homem rural se relaciona com o meio, não será possível criar um norte para a tomada de decisão no que tange à utilização do espaço nas áreas de preservação permanente.

A academia possui formas de abordar o assunto de maneira mais sensata que a classe política ou a sociedade em geral, embora o senso não deixe de incluir em si uma boa dose de “emoção”. De qualquer forma, todos interessados no assunto devem pensar em como propor alguns modelos que não excluam o tipo de atuação do homem rural.

No que tangencia essa discussão, estão as questões de sobrevivência e acesso à agua. A constatação de que o Semiárido Nordestino está sofrendo uma das piores secas dos últimos anos faz os olhos voltarem-se para os antigos problemas: convívio com a seca, obras para ampliação da capacidade hídrica, recursos desviados etc.

Com o crescimento da economia, cidades do sertão nordestino expandiram suas áreas urbanas e a relação com o meio rural passou a ser mais atrelada aos processos de urbanização. A locomoção se dá de forma diferente daquelas que eram próprias do campo. O trabalhador rural tem mais acesso aos recursos da cidade, pois a moto facilitou a chegada até ela. Por outro lado, a antiga classe média que hoje ascende passa a ocupar condomínios na beira do rio São Francisco e a usufruir de recursos para o lazer antes destinados apenas a fornecimento de serviços ambientais ao meio rural. Essa dinâmica ocorre no país inteiro, dos rios da região norte às represas do sudeste.

Um estudo da Embrapa mostra que, ao longo de 21 anos na região de Petrolina-PE/Juazeiro-BA, houve um aumento de áreas degradadas em torno do Rio São Francisco, com perda da cobertura vegetal natural de 10%, além da duplicação da extensão das áreas destinadas a pastagem e agricultura irrigada. As áreas classificadas como pastagem e agricultura de sequeiro tiveram crescimento de 102%, enquanto que áreas irrigadas, 132%, de 1987 a 2008. Próximos aos cursos d’água predomina agricultura irrigada e, conforme aumenta a distância em relação ao canal principal do rio, onde antes existia caatinga original, aumentaram as áreas de pastagem e agricultura de sequeiro. Além disso, em Petrolina (PE), maior município da região, a área de agricultura irrigada cresceu 169%, a cobertura vegetal natural reduziu-se em 20% e a área urbana teve uma expansão de 195%.

Essa dinâmica está ligada ao comportamento do homem rural. À medida que a agricultura sofisticou-se, o trabalhador passou a ocupar postos de trabalho nas propriedades tecnificadas para a agricultura irrigada. A agricultura familiar passou a sofrer a concorrência das bolsas sociais. Em muitos casos, o estímulo do complemento social foi maior que o de continuar cultivando. É de se questionar o porquê do trabalhador continuar produzindo seu próprio alimento, cultivando sua própria terra. Isto realmente vai fixar o homem no campo? Será que ele não seria mais atraído a trabalhar numa propriedade empresarial que lhe desse mais garantias de sustento que a sua própria terra?

Sem dúvida, o manejo de terras de uma agricultura mais empresarial utiliza os recursos do meio de forma diferente daquela de uma propriedade familiar. Essa diferença pode levar a maior degradação por explorar o solo mais intensamente? Mas, por outro lado, pode também criar meios de ter reservas de compensação em áreas mais extensas?

A pesquisa da Embrapa citada mostrou que a recuperação de matas ripárias degradadas do Rio São Francisco no Bioma Caatinga é necessária e deve ter caráter prioritário nas políticas públicas para o Semiárido. O descumprimento do código florestal atual ocorreu na totalidade da região estudada, com relação aos 500 metros de área de preservação permanente do entorno do rio. Também ficou demonstrado que a cobertura vegetal distribuiu-se de maneira diferenciada para os ambientes ripários adjacentes às margens e que os solos, na maioria degradados, apresentaram altos teores de salinidade. Daí a referida pesquisa ter definido como essenciais as ações de recuperação de solos e de recomposição da vegetação.

Ainda nesse estudo (que abrangeu cerca de 300 km de margem do rio São Francisco), identificaram-se 4 tipos de manejo em função das interações entre propriedade e usuário: familiar (individual e coletiva) e empresarial (familiar e societária). Estes resultados mostraram que, qualquer que fosse o estado de conservação da área, havia nela uma clara relação com o tipo de manejo. Portanto, qualquer ação futura de recuperação estaria vinculada ao tipo de manejo. A presença da biodiversidade natural foi um fator explorado no estudo e constatou-se que os homens rurais a enxergavam e lhe davam importância, o que é coerente com o resultado do estudo da dinâmica de uso da terra ao longo dos anos, mas não é coerente com os manejos que foram utilizados.

Portanto, é claro que a questão não passa apenas por legislações que venham a coibir ou incentivar o uso agrícola das terras, mas de como criar mecanismos que garantam a sustentabilidade do meio rural sem deixar de lado as interfaces urbano-rural e as tradições, cultura e expectativas do homem rural de cada região.

O estudo permite que as novas ações de recuperação baseadas no novo código florestal devam considerar além das questões de solo e de vegetação, o tipo de manejo da propriedade, para efeitos de recuperação de APP de rio, principalmente no Semiárido. Além da discussão de elaboração ou aplicação de novas leis ambientais, valendo-se dos dados apurados pelo referido trabalho, tem-se que levar em conta o homem rural que se instala nas propriedades, sem o que nenhuma lei será devidamente respeitada.

* publicado originalmente: www.diadecampo.com.br

Nenhum comentário: