O biólogo José Alves de Siqueira, da Univasf |
por: DANIEL CARVALHO
Após quatro anos de monitoramento do rio e das obras de transposição de
parte das águas do São Francisco, o biólogo José Alves Siqueira, 41, e
outros 99 pesquisadores alertam: o rio está em processo de "extinção
inexorável"
O professor integra a equipe da Univasf (Universidade Federal do Vale do
São Francisco), em Petrolina (PE), contratada pelo governo federal para
fazer o inventário da flora e da fauna ao longo de todo o trecho da
obra.
O resultado encontrado no rio e nos 469 quilômetros de canais está no
livro "Floras das Caatingas do Rio São Francisco: História Natural e
Conservação" (Andrea Jackobsson Estúdio). Leia os principais trechos da
entrevista.
*
Folha - O título do primeiro capítulo do livro assusta: "A extinção
inexorável do rio São Francisco". Como vocês identificaram esse processo
e por que o consideram inexorável?
José Alves Siqueira - Eu fiz uma pesquisa minuciosa sobre todos
os problemas históricos que ocorreram no São Francisco desde o seu
descobrimento. A gente teve um dos rios mais piscosos do país. Com as
barragens [Três Marias, Sobradinho, Paulo Afonso e Xingó], a gente
perdeu todos aqueles peixes que sobem as corredeiras para se reproduzir.
O São Francisco é o rio mais barrado do Brasil.
Se as coisas continuarem do jeito que estão, quanto tempo o São Francisco ainda tem?
A gente não tem como fazer um cálculo preciso. O processo está em curso,
o rio está sofrendo profundamente com o desmatamento de suas matas
ciliares.
Qual a participação da transposição neste processo?
Existe um passivo ambiental da obra, em torno de R$ 20 milhões, R$ 25
milhões. Esse recurso deve ser usado para implementar unidades de
conservação. Podemos transformar o problema da transposição numa
oportunidade.
Na prática, como a obra da transposição está colaborando com o processo?
Ainda não temos as respostas claras. A gente encontrou 62 espécies
exóticas invasoras, que não são da flora brasileira, já nas áreas do
canal. Quando ela [a invasora] chega, ocupa espaço de espécies nativas e
provoca destruição das outras.
O senhor é favorável à obra?
A gente não está discutindo se é a favor ou contra porque a obra já está
em curso. Hoje o nosso papel é tentar mitigar os impactos. Os impactos
existem. [Mas] o que a gente pode fazer para tornar isso razoavelmente
viável?
O senhor fala que ainda tem muito a se avançar nesse processo de mitigação dos impactos. Como?
Algo para ser feito em caráter emergencial [é] a implementação dos
programas de recuperação de áreas degradadas. As grandes empreiteiras
têm obrigação de implementar esses planos de recuperação. Isso não está
acontecendo. Quando oferecem a possibilidade de fazer, fazem com
espécies exóticas invasoras. A gente tem um conjunto de oportunidades
que não pode perder vista. Não teremos uma segunda oportunidade. Não há
nada de sensacionalista nisso. Não é uma crítica gratuita.
Qual o papel dessa estiagem prolongada no Nordeste neste processo de extinção do rio?
É mais um agravante porque a demanda por água aumenta. Os bancos de
areia no São Francisco estão cada vez maiores. A gente está vivendo um
processo de aquecimento global e a caatinga é o lugar do Brasil mais
suscetível a essas mudanças climáticas
fonte: Folha de S. Paulo
Leia também: Coordenador do CRAD Caatinga lança livro sobre flora do São Francisco
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