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"A presença da
biodiversidade natural foi um fator explorado no estudo e constatou-se
que os homens 'rurais a enxergavam e lhe davam importância, o que é
coerente com o resultado do estudo da dinâmica de uso da terra ao longo
dos anos, mas não é coerente com os manejos que foram utilizados."
A aprovação do novo do código florestal levantou várias discussões
sobre uso e ocupação do solo em áreas agrícolas. A academia, ao
debruçar-se sobre o tema, mostra números baseados em estudos
científicos, mas suas análises ainda não conseguiram ter repercussão
suficiente para convencer a sociedade e a classe política a agir sobre
áreas de terra sensíveis ao uso. Um dos temas fundamentais que vem sendo
questionado é sobre a quantidade de terra a ser perdida ou ganha pela
agricultura se o atual ou o antigo código fossem aplicados na íntegra.
Há uma corrente que defende a utilização de terras em áreas de
preservação permanente que já vêm sendo cultivadas ao longo dos anos e
outras que defendem a conservação dessas terras por meio da preservação
das florestas nativas.
A questão relevante, em muitos casos, é a de entender a dinâmica de
uso da terra nos diferentes biomas. Sem a compreensão clara de como o
homem rural se relaciona com o meio, não será possível criar um norte
para a tomada de decisão no que tange à utilização do espaço nas áreas
de preservação permanente.
A academia possui formas de abordar o assunto de maneira mais sensata
que a classe política ou a sociedade em geral, embora o senso não deixe
de incluir em si uma boa dose de “emoção”. De qualquer forma, todos
interessados no assunto devem pensar em como propor alguns modelos que
não excluam o tipo de atuação do homem rural.
No que tangencia essa discussão, estão as questões de sobrevivência e
acesso à agua. A constatação de que o Semiárido Nordestino está
sofrendo uma das piores secas dos últimos anos faz os olhos voltarem-se
para os antigos problemas: convívio com a seca, obras para ampliação da
capacidade hídrica, recursos desviados etc.
Com o crescimento da economia, cidades do sertão nordestino
expandiram suas áreas urbanas e a relação com o meio rural passou a ser
mais atrelada aos processos de urbanização. A locomoção se dá de forma
diferente daquelas que eram próprias do campo. O trabalhador rural tem
mais acesso aos recursos da cidade, pois a moto facilitou a chegada até
ela. Por outro lado, a antiga classe média que hoje ascende passa a
ocupar condomínios na beira do rio São Francisco e a usufruir de
recursos para o lazer antes destinados apenas a fornecimento de serviços
ambientais ao meio rural. Essa dinâmica ocorre no país inteiro, dos
rios da região norte às represas do sudeste.
Um estudo da Embrapa mostra que, ao longo de 21 anos na região de
Petrolina-PE/Juazeiro-BA, houve um aumento de áreas degradadas em torno
do Rio São Francisco, com perda da cobertura vegetal natural de 10%,
além da duplicação da extensão das áreas destinadas a pastagem e
agricultura irrigada. As áreas classificadas como pastagem e agricultura
de sequeiro tiveram crescimento de 102%, enquanto que áreas irrigadas,
132%, de 1987 a 2008. Próximos aos cursos d’água predomina agricultura
irrigada e, conforme aumenta a distância em relação ao canal principal
do rio, onde antes existia caatinga original, aumentaram as áreas de
pastagem e agricultura de sequeiro. Além disso, em Petrolina (PE), maior
município da região, a área de agricultura irrigada cresceu 169%, a
cobertura vegetal natural reduziu-se em 20% e a área urbana teve uma
expansão de 195%.
Essa dinâmica está ligada ao comportamento do homem rural. À medida
que a agricultura sofisticou-se, o trabalhador passou a ocupar postos de
trabalho nas propriedades tecnificadas para a agricultura irrigada. A
agricultura familiar passou a sofrer a concorrência das bolsas sociais.
Em muitos casos, o estímulo do complemento social foi maior que o de
continuar cultivando. É de se questionar o porquê do trabalhador
continuar produzindo seu próprio alimento, cultivando sua própria terra.
Isto realmente vai fixar o homem no campo? Será que ele não seria mais
atraído a trabalhar numa propriedade empresarial que lhe desse mais
garantias de sustento que a sua própria terra?
Sem dúvida, o manejo de terras de uma agricultura mais empresarial
utiliza os recursos do meio de forma diferente daquela de uma
propriedade familiar. Essa diferença pode levar a maior degradação por
explorar o solo mais intensamente? Mas, por outro lado, pode também
criar meios de ter reservas de compensação em áreas mais extensas?
A pesquisa da Embrapa citada mostrou que a recuperação de matas
ripárias degradadas do Rio São Francisco no Bioma Caatinga é necessária e
deve ter caráter prioritário nas políticas públicas para o Semiárido. O
descumprimento do código florestal atual ocorreu na totalidade da
região estudada, com relação aos 500 metros de área de preservação
permanente do entorno do rio. Também ficou demonstrado que a cobertura
vegetal distribuiu-se de maneira diferenciada para os ambientes ripários
adjacentes às margens e que os solos, na maioria degradados,
apresentaram altos teores de salinidade. Daí a referida pesquisa ter
definido como essenciais as ações de recuperação de solos e de
recomposição da vegetação.
Ainda nesse estudo (que abrangeu cerca de 300 km de margem do rio São
Francisco), identificaram-se 4 tipos de manejo em função das interações
entre propriedade e usuário: familiar (individual e coletiva) e
empresarial (familiar e societária). Estes resultados mostraram que,
qualquer que fosse o estado de conservação da área, havia nela uma clara
relação com o tipo de manejo. Portanto, qualquer ação futura de
recuperação estaria vinculada ao tipo de manejo. A presença da
biodiversidade natural foi um fator explorado no estudo e constatou-se
que os homens rurais a enxergavam e lhe davam importância, o que é
coerente com o resultado do estudo da dinâmica de uso da terra ao longo
dos anos, mas não é coerente com os manejos que foram utilizados.
Portanto, é claro que a questão não passa apenas por legislações que
venham a coibir ou incentivar o uso agrícola das terras, mas de como
criar mecanismos que garantam a sustentabilidade do meio rural sem
deixar de lado as interfaces urbano-rural e as tradições, cultura e
expectativas do homem rural de cada região.
O estudo permite que as novas ações de recuperação baseadas no novo
código florestal devam considerar além das questões de solo e de
vegetação, o tipo de manejo da propriedade, para efeitos de recuperação
de APP de rio, principalmente no Semiárido. Além da discussão de
elaboração ou aplicação de novas leis ambientais, valendo-se dos dados
apurados pelo referido trabalho, tem-se que levar em conta o homem rural
que se instala nas propriedades, sem o que nenhuma lei será devidamente
respeitada.
* publicado originalmente: www.diadecampo.com.br
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